—É exatamente disso que eu estou falando.

—Obrigado — disse Arthur, sentando—se novamente. — O quê?

—Engenharia reversa temporal.

Arthur colocou as mãos na cabeça e balançou—a lentamente de um lado para o outro.

—Existe alguma maneira humana — gemeu ele — de te impedir de me explicar o que é essa sei-lá-o-quê reversa temporal de merda?

—Não — respondeu Ford —, porque a sua filha está presa bem no meio dela e isso é sério, mortalmente sério.

Trovões soaram em meio à pausa.

—Está bem — disse Arthur. — Pode explicar.

—Eu me joguei da janela de um arranha-céu. Aquilo alegrou Arthur.

—Ah! — exclamou ele. — Por que você não faz isso de novo?

—Eu fiz.

—Humm — fez Arthur, desapontado. — Obviamente, não deu em nada.

—Da primeira vez, consegui me salvar graças a mais impressionante — e eu digo isso com toda a modéstia — e fantástica combinação de improviso, agilidade, contorcionismo e auto-sacrifício.

—E qual foi o auto-sacrifício?

—Eu me desfiz da metade de um par de sapatos muito queridos e, creio eu, insubstituíveis.

—E por que isso foi um auto-sacrifício?

—Por que eram meus! — respondeu Ford, amuado.

—Acho que temos valores muito diferentes.

—Sim, os meus são melhores.

—Melhores de acordo com a sua… ah, deixa pra lá. Então, tendo conseguido se salvar de maneira muito engenhosa da primeira vez, você usou de toda a sua sensatez e pulou novamente. Por favor não me diga o porquê. Só me conte o que aconteceu, se necessário.

—Caí direto na cabine aberta de um carro a jato que estava passando, cujo piloto havia acabado de apertar acidentalmente o botão de ejetar, quando, na verdade, queria apenas trocar de música no rádio. Ora, nem mesmo eu conseguiria pensar que isso foi uma grande sacação minha.

—Ah, não sei, não — comentou Arthur, exausto. — Suponho que você tenha se infiltrado no jato do sujeito de madrugada e programado a música menos favorita dele para tocar ou algo assim.

—Não, claro que não — disse Ford.

—Só estou verificando.

—Mas, por mais estranho que pareça, alguém fez isso. E aí é que está o xis da questão. É possível olhar para trás e rastrear toda a cadeia e as ramificações de acontecimentos e coincidências cruciais. No final das contas, o responsável por tudo isso era o novo Guia. O tal pássaro.

—Que pássaro?

—Você não chegou a ver?

—Não.

—Ah, é uma criaturinha mortal. É bonito, fala grosso, provoca o colapso seletivo de formas de onda quando quer.

—O que isso significa?

—Engenharia reversa temporal.

—Ahn — fez Arthur. — Ah, tá.

—A questão é: para quem ele está realmente trabalhando?

—Acho que tenho um sanduíche aqui — disse Arthur, catando no bolso. — Quer um pedaço?

—Quero.

—Deve estar um pouco amassado e encharcado, lamento.

—Tudo bem. Mastigaram um pouco.

—Até que é bem gostoso — disse Ford. — Que carne é essa?

—É de Besta Perfeitamente Normal.

—Nunca vi uma. Então, a questão é — continuou Ford — para quem o pássaro está realmente trabalhando? Qual é a verdadeira trama por trás dessa história?

—Humm — mastigou Arthur.

—Quando encontrei o pássaro — prosseguiu Ford —, o que se deu graças a uma série de coincidências por si só interessantes, ele exibiu a mais fantástica pirotecnia multidimensional que eu já vi. Depois disse que colocaria os seus serviços à minha disposição no meu universo. Eu respondi obrigado, mas não, obrigado. Ele disse que ia fazer isso de qualquer jeito, querendo eu ou não. Eu disse tenta só para você ver, ele disse que ia e que, na verdade, já havia feito. Eu disse é o que veremos e ele disse que veríamos. Foi então que eu decidi empacotar o bicho e enviá-lo para cá. E resolvi mandar para você por uma questão de segurança.

—Ah, é? Segurança de quem?

—Ah, deixa pra lá. Aí, como uma coisa leva a outra, achei sensato me jogar da janela novamente, por não ter nenhuma outra alternativa naquele momento. Para minha sorte, o carro a jato estava lá; do contrário, eu teria que me contentar com mais pensamentos engenhosamente rápidos, agilidade, talvez o outro pé do sapato e, se nada disso desse certo, com o chão. Mas isso me mostrou que, gostando eu ou não, o Guia estava trabalhando para mim, o que era profundamente preocupante.

—Por quê?

—Porque, se você está com o Guia, acha que é ele quem trabalha para você. Desde então as coisas fluíram magnificamente para mim, até agora há pouco, quando me deparei com a gatinha da pedrada e, bangue, já era. Estou fora do circuito.

—Você está falando da minha filha?

—Estou tentando ser o mais educado possível. Ela é o próximo elo na cadeia e vai achar que tudo está indo às mil maravilhas. Vai poder bater na cabeça de quem quiser com pedaços da paisagem e tudo vai fluir lindamente, até que ela faça o que deve fazer e, então, vai ficar de fora também. É engenharia reversa temporal e, obviamente, ninguém compreendeu o que estava desencadeando! —Como eu, por exemplo.

—O quê? Ah, acorda, Arthur. Olha, deixa eu tentar novamente. O novo Guia foi desenvolvido nos laboratórios de pesquisa. Ele utiliza uma nova tecnologia chamada Percepção Sem Filtros. Você sabe o que isso quer dizer?

—Olha, eu passei os últimos anos fazendo sanduíches, pelo amor de Bob!

 

—Quem é Bob?

—Deixa pra lá. Continua.

—Percepção Sem Filtros significa que ele percebe tudo. Entendeu? Eu não percebo tudo. Você não percebe tudo. Temos filtros. O novo Guia não possui nenhum filtro sensorial. Ele percebe tudo. Nem era uma idéia tecnológica muito complicada. Era só questão de deixar algo de fora. Entendeu?

—Porque não digo simplesmente que entendi você continua falando do mesmo jeito.

—Certo. Agora, como o pássaro pode perceber qualquer universo possível, ele está presente em qualquer universo possível. Entendeu?

—En…ten…diiiiii.

—Então o que acontece é o seguinte: os palhaços dos departamentos de marketing e contabilidade dizem “Ah, que idéia genial, isso quer dizer que só precisamos fazer um desses e depois vamos vendê-lo um número infinito de vezes!”. Não faz essa cara, Arthur, é assim que os contadores pensam!

—Mas é bem inteligente, não é?

—Não! É incrivelmente burro. Veja bem: a máquina é apenas um pequeno Guia. Tem uma cibertecnologia bem interessante lá dentro, mas, por conta da Percepção Sem Filtros, qualquer mínimo movimento que o Guia faça tem o poder de um vírus. Ele pode se propagar pelo espaço, pelo tempo e em um milhão de outras dimensões. Qualquer coisa pode se focar em qualquer lugar em qualquer um dos universos nos quais transitamos. O seu poder é recursivo. Imagine um programa de computador. Em algum lugar existe uma instrução principal e todo o resto não passa de funções recursivas, ou parênteses se propagando em uma enorme onda sem fim através de um espaço infinito de endereçamento. E o que acontece quando os parênteses colapsam? Onde fica o derradeiro end if? Isso por acaso faz algum sentido? Arthur?

[youtube oU4VsB_HUy8]
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