Série: Douglas Adams Explica: como magia funciona

PARTE 1 – BEM VINDO AO DESERTO DO REAL

Não existe hócus pócus, tudo funciona através de Engenharia Reversa.

[…]

—Bem, na verdade eu estava recuando no tempo, sim. Humm. Bem, acho que já resolvemos isso. Se você quiser saber, posso lhe contar que no seu universo é possível se movimentar livremente nas três dimensões que vocês chamam de espaço. Vocês se movem em linha reta numa quarta dimensão, a que chamam de tempo, e ficam estáticos em uma quinta, que é a primeira fundamental da probabilidade. Depois disso, a coisa fica um pouco complicada e acontece virtualmente de tudo nas dimensões treze à vinte e dois, nem queira saber. Tudo o que você precisa saber por enquanto é que o universo é muito mais complicado do que você pode imaginar, mesmo se você já imagina que ele é complicado pra cacete, para começar. Posso evitar palavras como “cacete”, se isso te ofender.

—Pode falar o que quiser.

—Está bem.

—Que diabos é você? — perguntou Random.

—Eu sou o Guia. No seu universo, sou o seu Guia. Na verdade, habito o que é tecnicamente conhecido como a Mistureba Generalizada de Todas as Coisas, que significa… bom, é melhor te mostrar.

O pássaro virou-se em pleno ar e voou para fora da caverna. Empoleirou—se em uma pedra, logo abaixo de uma marquise natural, fora da chuva, que estava voltando a ficar forte.

—Venha até aqui — disse ele — e veja isso.

Random não gostava de receber ordens de um pássaro, mas o seguiu mesmo assim até a entrada da caverna, apalpando a pedra que estava em seu bolso.

—Chuva — disse o pássaro. — Está vendo? Apenas chuva.

—Eu sei o que é chuva.

Torrentes de chuva assolavam a noite, a luz do luar filtrada pelos pingos.

—Então o que é chuva?

—Como assim, o que é chuva? Olha só, quem é você? O que você estava fazendo dentro da caixa? Por que tive que passar uma noite inteira correndo pela floresta, espantando esquilos retardados para, no final das contas, ter que aturar um pássaro me perguntando se eu sei o que é chuva? É água caindo pela droga do ar, pronto. Mais alguma coisa que você queira saber ou já podemos ir para casa?

Após uma longa pausa, o pássaro respondeu:

—Você quer ir para casa?

—Eu não tenho casa! — Random berrou as palavras tão alto que quase assustou a si mesma.

—Olhe para a chuva… — disse o pássaro—Gwza.

—Estou olhando para a chuva! O que mais tem para olhar?

—O que você está vendo?

—Como assim, seu pássaro idiota? Estou vendo um monte de chuva. É apenas água caindo.

—Que formas você vê na água?

—Formas? Não tem forma nenhuma. É só uma… uma…

Só Uma Mistureba Generalizada — completou o pássaro—Guia. —É…

—E agora, o que você está vendo?

Quase no limite da visibilidade, um feixe tênue e fino transbordou dos olhos do pássaro. No ar seco, protegido pela marquise, não se via nada. Mas nos pontos onde o raio atingia os pingos de chuva conforme caíam havia uma lâmina de luz tão brilhante e viva que parecia sólida.

—Uau, que ótimo. Um show de lasers — comentou Random, debochada. — Nunca vi um desses antes, é claro, só em uns cinco milhões de shows de rock.

—Diga—me o que você está vendo!

—Apenas uma lâmina plana! Pássaro burro.

—Não há nada ali que não estivesse ali antes. Só estou usando a luz para chamar a sua atenção para determinados pingos, em determinados momentos. E, agora, o que está vendo?

A luz se apagou.

—Nada.

—Continuo fazendo a mesma coisa, só que com luz ultravioleta, que você não consegue ver.

—E de que adianta me mostrar uma coisa que eu não consigo ver?

—Para que você entenda que só porque consegue ver uma coisa não quer dizer que ela esteja lá. E que, se você não vê uma coisa, não significa que ela não esteja. Tudo se resume ao que seus sentidos fazem com que você note.

—Estou de saco cheio disso — disse Random. Logo em seguida levou um susto.

[…]

fonte: Guia do Mochileiro das Galaxias – Livro 5 da trilogia – Praticamente Inofensiva

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